Fotos de Bruna Valença
No comecinho desse ano, me surpreendi com um convite lindo, que vinha junto com um baita desafio: ministrar duas oficinas de Fotografia e Autorretrato, pras Quebradeiras de Coco Babaçu, no Maranhão e no Tocantins. Quem fez o convite foi a ActionAid, ONG internacional que luta pela justiça social, igualdade de gênero e pelo fim da pobreza. Ela atua no Brasil desde 1999, sempre em parceria com as organizações das comunidades locais.
Meu primeiro trabalho pra ActionAid foi em 2014, e eu não os larguei mais! De verdade. Volta e meia mando uma mensagenzinha: “Oi gente, quero mais!” Na primeira vez, passei cinco dias fotografando pessoas da comunidade de Passarinho, em Olinda, pra uma campanha de apadrinhamento de crianças − e
esse trabalho mudou minha perspectiva sobre vida naquela época… Foi muito especial!
Dois anos depois, em 2016, me voluntariei em mais um convite irrecusável: “Bruna, a gente quer que você fotografe 30 mulheres aqui no Cabo de Santo Agostinho e as ajude a contar suas histórias. Topa?” Claro que aceitei na hora, e foi por meio da ActionAid que conheci o inspirador Centro das Mulheres do Cabo. Pra quem não conhece, é uma organização, fundada em 1984, que atua diretamente no direito das mulheres, crianças e adolescentes, trabalhando fortemente o empoderamento e o feminismo no Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco. Conheci mulheres incríveis, registrei de perto o cotidiano delas. E a energia de luta, de força, de fibra foi um pouquinho do tanto que ganhei dessa experiência. Mantive o contato com o Centro, e ele virou objeto de estudo no meu trabalho atualmente.
Aí, agora, aparece esse convite das Quebradeiras do Coco Babaçu… Fiquei tão feliz, emocionada e empenhada em estudar e ler bastante para me inteirar de suas histórias e conseguir passar um pouquinho das minhas experiências com elas também. Afinal de contas seria minha primeira vez dando oficina. E aquele friozinho na barriga bom danado de sentir?
A quebra do coco é uma atividade realizada há centenas de anos, e as trabalhadoras rurais já ultrapassam o número de 300 mil mulheres. A luta é constante, já que há grande incidência de queima ou construção de cercas ao redor de terrenos que têm babaçuais, o que impossibilita a colheita diária.
E eis aqui o meu diário dessa experiência sensacional!
DIA 1 (BARRO BRANCO – TOCANTINS)
Chegamos em Imperatriz, no Maranhão, dia 22 de abril, de madrugada. E, no dia seguinte de manhã, pegamos a estrada pra visitar a comunidade de Barro Branco, no Tocantins, iniciar a vivência com as Quebradeiras e conhecer bem de perto sobre o modo de vida, as conquistas, tradições, dificuldades… Lá, fomos recebidas com um almoço delicioso na casa de dona Osmarina.
Babamos a hortinha comunitária da comunidade e aprendemos sobre Agroecologia Sustentável, tipo de prática agrícola que prioriza a utilização de recursos naturais com mais consciência, respeitando sempre o que a natureza oferece. Achei inspirador ver a quantidade de frutas e verduras diferentes e o cuidado com todo processo.
Depois do almoço, acompanhamos a quebra do coco e eu confesso que amei o gesto de confiança em me passar o machado. Sou bem desastrada e me aventurei, mas ainda preciso malhar muito meu bracinho pra ter essa força e desenvoltura! Hahahah Quem sabe no próximo encontro? (Fica a
dica, ActionAid! :D )
Fotografei bastante e passei a entender na prática como funcionava toda a extração da amêndoa do Coco Babaçu, até o processo de manufatura dos produtos − e são tantos! Trouxe pra casa farinha de babaçu pra fazer mingau, biscoitos, sabonetes deliciosos de aloe vera e lavanda, cestinha de acessórios, azeite… A venda desses produtos é a base de sobrevivência da maioria dessas mulheres, além de ser um fator importante no crescente reconhecimento da atividade da quebra do coco e da própria valorização desses produtos.
DIA 2 (COMUNIDADE SETE BARRACAS − TOCANTINS)
No dia seguinte, partimos para a comunidade de Sete Barracas, pra começar as atividades. Quando chegamos, senti uma energia forte da natureza. Ouvi várias vezes que as palmeiras de coco são como mães pros moradores de lá. A relação e a sinergia dessas pessoas com o verde, e o que a natureza propõe definitivamente são coisas marcantes.
A jornalista Yndara Vasques, que trabalha como assessora de Comunicação no Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), estava nos acompanhando pra dar uma oficina incrível sobre Comunicação Popular e falar da importância de as quebradeiras e moradores das comunidades entenderem o poder e o caráter mobilizador coletivo que o ato de comunicar nos proporciona. Essa introdução foi um empurrão lindo pra dar continuidade à minha oficina de Fotografia! As mulheres estavam inspiradas para clicar.
Falamos sobre o meu relacionamento com a Fotografia e de como essa é realmente uma ferramenta de expressão e autoconhecimento. E, claro, tivemos duas práticas muito legais de Fotografia Básica, nas quais elas puderam se familiarizar com a câmera profissional pela primeira vez e criar imagens, que seriam analisadas junto com a turma no fim do dia. Pra cada foto, uma explicação mais sensível que a outra…
Foi muito interessante enxergar a vida entre os babaçuais pelo olhar delas.
Essa aí é a foto de Dona Emília. Olha só a explicação: “Ela era de taipa, coberta de palha, muito fria mesmo. Não sentia calor debaixo dela, sabe? Era a coisa mais linda do mundo: tinha um piso de cimento, toda rebocada e pintadinha. Eu saí, porque era o jeito mesmo, porque ela estava desabando. Eu gostava muito da minha casinha, por isso fiz essa foto.”
Já Helena quis registrar o impacto ambiental e levantar o debate sobre o desmatamento.“Quando as grandes empresas chegam, elas derrubam a natureza”
DIA 3 (COMUNIDADE SETE BARRACAS − TOCANTINS)
No terceiro dia, retornamos pra um mergulho no autorretrato, e eu conversei um pouquinho sobre construção de identidade e sobre sermos protagonistas das nossas próprias histórias, por meio da Fotografia. E elas criaram, uma por uma, um autorretrato feito com o celular delas mesmas.
Rosalva e Dalciane escolheram fazer a atividade juntas. “A gente quis retratar a nossa relação com as nossas raízes, com as mãos na terra, com as mãos entrelaçadas como uma forma de trocar, uma com a outra, e com a Mãe Terra”. Lindas, né?
Finalizamos a oficina e a vivência com uma roda de canto, com músicas e marchinhas das Quebradeiras de Coco locais e regionais. Foi impossível não se emocionar! Saí de lá com coração cheinho de alegria por essa troca e por tanto aprendizado obtido!
DIA 4 (MONTE ALEGRE − MARANHÃO)
Pegamos a estrada de novo, e nossa segunda parada foi em Monte Alegre, interior do Maranhão, perto de Pedreiras. Lá, encontramos uma comunidade quilombola marcada por forte ancestralidade, história de luta e intensos conflitos de terra. É uma terra antiga e realmente sagrada, onde a gente pisa e já se sente diferente, sabe?
A perda de Dona Dijé, uma das quebradeiras de coco que criaram o MIQCB e forte liderança do local, nos emocionou em diversos momentos durante a nossa visita. “Queremos nosso território livre para nascer, viver, germinar, parir e morrer.”
Era muito forte e claro pra mim que estava vivendo outra experiência ali. Em Monte Alegre, a participação das jovens da comunidade foi de extrema importância. Todas muito engajadas e participativas, em um momento sensível de perda e reflexão entre amigos e família. Me senti muito acolhida também nesse lugar, e foi uma honra poder criar junto com essas mulheres.
Espero, de coração, poder voltar ao Maranhão pra mais um encontro com as Quebradeiras e, quem sabe, conhecer outras comunidades também. Pessoas que nadam contra a maré, mostrando que é possível uma outra forma de viver. Que valorizam a história, o território e a ancestralidade. “Eu existo, porque alguém antes de mim existiu, insistiu e foi lá”.
ActionAid Brasil (@actionaidbrasil)
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