29 de janeiro celebra-se o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Por mais que nos últimos anos a gente tenha visto alguns avanços na pauta e nos direitos da população T, ainda é necessário muito mais mudanças. E, para estender esse debate, conversamos com a ativista Agata Paeur sobre o assunto e explicamos várias questões importantes. Vem ver!
Primeiro de tudo, vamos entender os termos básicos para continuarmos o papo:
Orientação sexual: é por quem você sente atração
Identidade de gênero: é como você se reconhece e se identifica
Cisgênero: quem se reconhece com o gênero que lhe foi imposto no nascimento de acordo com a sua genitália
Transgênero: quem se reconhece com o gênero oposto ao que lhe foi imposto no nascimento
Agora, chegou a hora de responder uma dúvida comum: Existe diferença entre ser travesti e ser transexual?
Segundo Agata, não. “A diferença entre mulher trans e travesti está na visão do outro, principalmente. Afinal, a travestilidade acaba sendo categorizada pela sociedade como algo marginalizado e perigoso. As mídias fizeram isso com a gente. Quando vemos histórias sobre travestis, vamos sempre vê-las basicamente como prostitutas, as que tem estereótipos da “navalha”. Sem reconhecer, por exemplo, o contexto histórico disso”, explicou.
Qual é, então, o contexto histórico da navalha? Agata contou para nós. “A navalha era a nossa sobrevivência na época da ditadura militar e com o início da Operação Tarântula, uma operação que tinha como objetivo caçar e prender transexuais e travestis que se prostituiam na capital paulista. Torturas, extorsão e espancamento eram recorrentes contra quem fosse detida”, pontuou.
E ela continuou a explicação: “Nessa mesma época, quando surgiu o HIV no Brasil, as pessoas ainda não entendiam muito bem como era a contaminação pelo vírus. O imaginário social e a mídia brasileira começaram a apelar para uma narrativa de que corpos LGBTQIA+ eram os únicos corpos que tinham HIV. A travestilidade para conseguir sobreviver e não ser torturada ou morta na Operação Tarântula, usava a navalha para se cortar e, ao sangrar, o policial tinha medo e repulsa de tocar naquele corpo e acabar sendo contaminado”. Você sabia disso?
“As pessoas precisam entender que não é errado chamar alguém de travesti. É muito importante a gente reconstruir esse imaginário e criar positividade para essa palavra. Ainda mais quando a pessoa fala que se identifica como travesti, é preciso respeitar. Tem que tratar aquele corpo com a identidade a qual ela quer ser chamada”, esclareceu a ativista.
Há um significado de luta na palavra travesti?
Muito! “Quando eu assumo a minha travestilidade, eu já denuncio de qual lugar eu venho. É no contexto de reivindicar uma identidade que é apagada, deslegitimada e marginalizada na sociedade. É o que a Linn da Quebrada está fazendo no BBB22. Quando ela fala que é travesti, além de falar da sua identidade, também faz com que o público escute a palavra e crie possibilidades positivas para ela, além de enxergar que a travestilidade lutou muito e ainda luta e que merece ser sinônimo de revolução”, comentou.
O Brasil é o país que mais mata trans no mundo
Há 14 anos consecutivos, nós lideramos como primeiro lugar do ranking mundial do país que mais mata corpos transvestigêneres do mundo. De acordo com o ANTRA, 140 transexuais foram assassinados em solo nacional em 2021. Além disso, a expectativa de vida da população T brasileira é de apenas 35 anos. “Para mim, quando eu me entendo um corpo transvestigênere (expressão usada para se referir a trans, travestis e pessoas não-binárias), eu já sei que narrativas eu vou sofrer e estou destinada“, disse Agata.
E, nesse ponto, precisamos conversar sobre algo muito importante: a culpabilização desses corpos. “Muitas vezes, trans e travestis, ao sofrer alguma violência – seja institucional, física, sexual, estética, o que for -, não consegue denunciar o que ocorreu porque, aos olhos de muitas pessoas, é culpa delas que isso tenha acontecido. Afinal, eles categorizam ser travesti e trans como uma escolha. Mas, eu não escolhi ir para a rua e ser queimada viva. Eu não escolhi levar paulada, pedrada e tantas outras coisas. Eu não escolhi essas agressões. Essa culpa, inclusive, é na verdade de um pacto que a cisgeneridade tem em negar a sua responsabilidade com o que acontece com nós. E, com isso, vem uma reparação histórica que as pessoas cis nos devem, que não é sobre nos dar algo, mas sobre devolver”, falou.
Devolver o que? “Me devolver o direito de estar nos espaços, de forma integral. Eu quero que os corpos travestis e de pessoas trans possam ter a possibilidade de ser, de estar e de ocupar, de viver. Não só de sobreviver“, reforçou.
Então, quais ações pessoas cis podem ter para ser aliados da população T?
Uma vez que é importante saber que só curtir, comentar e repostar conteúdos digitais não mudará o cenário, quais ações de fato pessoas cis podem ter para serem aliados?
– Se voluntarie em projetos e ONGs que acolham a população T;
– Siga pessoas da população T nas redes sociais para entender o movimento;
– Consuma o trabalho de artistas da população T;
– Empregue pessoas da população T e busque ter mais de uma na sua empresa
– Se uma pessoa da população T pedir ajuda financeira para algum tratamento, alimentação ou moradia, busque ajudar;
Inclusive, quer ajudar? Não faça perguntas inconvenientes e que podem ser muito dolorosas, como ‘Qual é seu nome de nascimento?’, ‘Você é mulher/homem de verdade?’, ‘Você já fez a cirurgia de redesignação sexual?’ e por aí vai…
Se você é uma pessoa cis, tenha o compromisso de pesquisar e estudar. “Não use a população T como Wikipédia. Afinal, a nossa pedagogia é cara demais porque a nossa vivência é cara demais. Estar no meu corpo não é fácil”, explicou Agata.
E se eu, cis, cometer algum erro?
“Diga “obrigada” ao invés de “desculpa” quando alguém corrigir o seu erro. Porque quando você diz “desculpa”, pressupõe-se que está tudo bem para a outra parte. E não está. Você cometeu uma violência contra aquela pessoa e ela ainda teve a paciência de te explicar qual foi o seu erro. Ou seja, é muito mais fácil ao invés de dizer “Você me desculpa?’, falar “Obrigada por essa correção”. Então, apenas agradeça pela lição. E, caso veja uma outra pessoa cis errar, use o seu privilégio para corrigi-la também”, esclareceu a ativista.
E concluiu: “Inclusive, se responsabilizem e utilizem o privilégio de vocês para corrigir outras pessoas cis que vocês verem errar. Se você está em um espaço e vê alguém sendo transfóbico, se posicione contra a transfobia. Porque se responsabilizar pelo seu privilégio é isso. É usar o privilégio para apontar erros e falar!”.
Ficou claro? O importante é respeitar o próximo e buscar informações para evitar erros banais. Se você gostou desse texto, envie para amigos para informá-los também. Afinal, educação é uma ferramenta de mudança. Então, que tal espalhá-la por aí?