Por Dr. Bruno Cosme e Dra Norma Leite
Médicos Nutrólogos pela ABRAN( Associação Brasileira de Nutrologia)
Antes de tudo, é necessário diferenciar o jejum prolongado do jejum intermitente. Jejum intermitente é uma estratégia muito bem vinda para a melhora da saúde em pacientes que se adaptam a ela, e consiste em não se alimentar por um período do dia, comumente entre 12 até 24 horas, de acordo com protocolos já bem estabelecidos, podendo chegar até 72 horas em indivíduos que já o praticam com frequência e sem grandes esforços, que não apresentem contraindicações e o façam com orientação médica e nutricional, podendo trazer benefícios à saúde. Após 72 horas já se pode considerar um jejum prolongado.
O que vamos tratar a seguir é sobre o jejum prolongado. Como nutrólogo, vejo com preocupação o estímulo em redes sociais a esse tipo de jejum. Não é que não existam relatos de pessoas que o fizeram por períodos superiores a uma semana e afirmam que sentiram-se bem. No entanto, existe a chance de que ao tentar fazer um jejum prolongado, o indivíduo experimente uma série de reações adversas que ele nem cogita, mas, nós profissionais de saúde, enxergamos essas possibilidades, daí nossa apreensão.
Após iniciar um jejum prolongado, as reservas de glicose do organismo vão se esgotando assim como outras fontes de energia, tais como proteínas e gorduras, as quais passam a ser utilizadas para que o organismo se mantenha vivo. Quanto mais longo for o jejum, mais gordura e proteínas vão sendo consumidas.
Nos exames laboratoriais geralmente ocorre primeiramente uma diminuição de neutrófilos, linfócitos, insulina, albumina, glicose, para em seguida notar-se queda da hemoglobina e de vitaminas. Ou seja, pode haver prejuízo ao sistema imunológico, o que não é nada interessante diante da pandemia de COVID-19 em que nos encontramos.
Clinicamente, há perda de peso, sensação de fraqueza e tontura, podendo ocorrer alterações de humor, irritabilidade, halitose, dores de cabeça, desmaios, além de possíveis crises de hipoglicemia, assim como a redução do metabolismo, entre outras alterações.
Ao término de um jejum prolongado, seja por motivos religiosos, por greve de fome, por desnutrição ou por alguma condição patológica que leva a redução drástica da ingesta calórica, as calorias devem ser reintroduzidas gradativamente para evitar a síndrome de realimentação, cujas manifestações clínicas ocorrem quando o carboidrato é reintroduzido de forma excessiva, devido à brusca mudança do metabolismo de obtenção de energia de gorduras para carboidratos, ocasionando um aumento na produção de insulina, com migração de eletrólitos como o magnésio, fosfato e potássio para dentro das células, levando a uma diminuição desses na corrente sanguínea e distúrbios hidroeletrolíticos.
Essa diminuição dos eletrólitos pode levar à alterações neurológicas, sintomas respiratórios, arritmias e falência cardíaca poucos dias após a realimentação, sendo uma condição potencialmente fatal. Quanto mais prolongado for o jejum, maior o risco de desenvolver a síndrome de realimentação. A partir de 5 dias sem se alimentar já existe a possibilidade de ocorrência da síndrome, principalmente em pessoas previamente desnutridas ou com baixo peso. É bom lembrar que não existe risco de síndrome de realimentação em pessoas que realizem o jejum intermitente, pois o tempo sem se alimentar, nesse caso, é curto, não levando a alterações drásticas do metabolismo.
Ao reintroduzir a alimentação, ou, se no meio do processo de jejum prolongado um indivíduo que já sofre de transtorno alimentar como o Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica( TCAP) , por exemplo, ingerir alimentos açucarados em demasia, este pode apresentar sérias consequências por ter uma redução da excreção de sódio e água, o que pode levar ao aumento da retenção de líquidos, descompensação cardíaca, edema pulmonar , hiperglicemia e deficiência de tiamina trazendo sérias consequências ao organismo, podendo levar até mesmo à hospitalização.
Essa é minha preocupação como médico. Jejuns mais curtos e com orientação são seguros desde que você esteja saudável e não esteja no grupo de contraindicados, como é o caso de crianças, gestantes, lactantes, diabéticos que usam insulina e pessoas com histórico de transtornos alimentares, como anorexia e bulimia. Nesse aspecto, é importante salientar que qualquer privação ao ato de se alimentar pode ser um gatilho importante para o desenvolvimento de transtornos alimentares. Então, espero ter ficado claro que pessoas sem acompanhamento médico e nutricional e que decidem aventurar-se a fazer jejuns prolongados, podem estar colocando sua saúde física e mental seriamente em risco.
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